29/04/2011

REPENSANDO O AUTISMO

Introdução, por Movimento Autismo & Vida:

Com grande honra, o Movimento Autismo & Vida contactou por email com o pesquisador brasileiro Alysson Muotri, que se encontra em San Diego, California, em pesquisa de pós-doutoramento em neurociências.

O texto abaixo foi encaminhado por Alysson para publicação no blog do movimento.

Agradecemos a oportunidade de divulgação das palavras do pesquisador, sempre na perspectiva de difusão de idéias à sociedade em geral, principalmente aos familiares de pessoas com autismo.

Alysson, de público, agradecemos o contato e encaminhamos-te muita energia positiva e muita força! Siga a tua luta, o teu caminho e a tua missão!

A missão pessoal de cada um de nós, constitui na própria energia de nossas vidas!

______________________________________________________________

REPENSANDO O AUTISMO



Por Alysson Muotri

Como será nossa percepção do autismo em 2020? As formas de diagnóstico do autismo estão melhorando constantemente e o número de afetados cresce de forma epidêmica. Diversas drogas e terapias são usadas no mundo todo, mas infelizmente os resultados ainda deixam a desejar. Interessante notar é que ainda estamos aprendendo exatamente o que é o autismo. Esse tipo de cenário pode mudar se deixarmos de enxergar o autismo apenas como um espectro de doenças diferentes, mas sim como vias moleculares comuns afetando redes neuronais independentes. Essa forma de “repensar” o autismo pode alterar profundamente a forma como o autismo vem sendo tratado, podendo facilitar a prevenção e tratamento personalizado.

Desde que comecei meus estudos sobre o espectro autista, ficou claro que as definições clínicas não seriam suficientes para ajudar a entender o autismo. Por mais que os profissionais da saúde se esforcem em categorizar pacientes, encontrando uma definição para cada tipo de manifestação, o autismo desafia esse quadro. Mutações no mesmo gene podem levar a quadros clínicos completamente diferentes, indicando que a carga genética e interação ambiental de cada indivíduo tem uma contribuição autônoma. Chego a questionar se o autismo é realmente uma doença ou se estamos apenas lidando com variantes normais do desenvolvimento humano. Se for isso, é possível que o cérebro autista não seja defeituoso, mas simplesmente diferente, inconsistente com a forma atual que vivemos em sociedade. Diante dessa perspectiva, pergunto se deveríamos concentrar esforços em erradicar o autismo ou apenas procurar entendê-lo para integrá-lo socialmente.

Cientistas procuram entender doenças humanas criando modelos onde hipóteses possam ser testadas. Alguns modelos são baseados em animais, outros em células extraídas do próprio paciente. Por razões éticas e morais, modelos experimentais invasivos com seres humanos são inaceitáveis. Modelos são úteis, pois podem ser testados em condições controladas de laboratório sistematicamente. Por meio do método cientifico rigoroso, podemos então descobrir como a doença funciona e buscar a cura. Sem modelos, estamos entregues ao empirismo, tentativa e erro, com diversas variáveis sem controles e muitas vezes inconclusivos.

Modelos animais para autismo são de pouco uso. Naturalmente, ainda não foi descrito algum animal que se comporte de forma semelhante a um paciente autista. Nossos primos evolutivos mais próximos, os chimpanzés e bonobos, nunca demonstraram comportamentos autistas em anos de observação selvagem ou em cativeiro. Roedores transgênicos também são limitados. Em geral carregam uma carga genética selecionada em laboratório o que interfere na interpretação dos dados obtidos.

A falta de matéria-prima para estudos básicos sobre o autismo tem emperrado significativamente nosso entendimento sobre o assunto. Uma alternativa, proposta por nosso grupo de pesquisa na Califórnia, baseia-se no uso de células-tronco pluripotentes induzidas (do inglês, iPS cells). A nova tecnologia, inicialmente desenvolvida para evitar conflitos éticos do uso de embrião humano e rejeição em futuros transplantes, pode ajudar a entendermos melhor o espectro autista. Ao capturarmos a carga genética de cada paciente num estado pluripotente, pode-se simular estágios iniciais do desenvolvimento neural e compará-lo a de indivíduos não-afetados em condições controladas. Utilizando-se mutações já conhecidas, pode-se escolher aquelas que abrangem diversos quadros clínicos como o gene MeCP2. Dependendo do tipo de mutação nesse gene, observa-se síndromes bem distintas, incluindo o autismo clássico, a síndrome de Rett, esquizofrenia e retardo mental.

A criação de um banco de células pluripotentes, derivadas de pacientes com diversas formas de autismo, permitirá pela primeira vez na história, uma análise direta das redes neuronais de cada paciente. Melhor ainda, poderemos comparar redes neuronais de chimpanzés e bonobos, entendendo as pressões evolutivas que trouxeram o autismo para a linhagem humana. No futuro, a validade dessa metodologia vai ganhar suporte com técnicas mais sensíveis para análise de redes neurais não-invasivas (como o PET scan, por exemplo) e o seqüenciamento completo do genoma de cada pessoa. Em conjunto, essas novas ferramentas deverão contribuir para decifrar o autismo.

Ainda usaremos o termo autismo em 2020? Pode ser que o espectro se fragmente em mais de 30 novas doenças. Apesar da semântica auxiliar num melhor diagnostico, não acho que seja suficiente para contribuir para o entendimento do autismo. Precisamos sim de mais investigação cientifica. Se possível, personalizada.



Alysson Muotri atuou como pesquisador do Instituto Salk para Estudos Biológicos, em La Jolla, San Diego, California, onde realizou pós-doutorado em Neurociências entre 2002 a 2008. A partir de então, é pesquisador da Faculdade de Medicina da Universidade da California, em San Diego. Seu trabalho aborda temas da fronteira da genética e biologia atuais, como o desenvolvimento dos neurônios e as células-tronco. Destacou-se recentemente ao conseguir "curar" um neurônio "autista" (com Síndrome de Rett, um tipo grave de autismo) em laboratório e abrir as portas para o desenvolvimento de uma droga eficiente contra essa complexa síndrome. O feito foi publicado na revista científica Cell.

Um comentário:

  1. Ola pessoal incansável deste lindo movimento!

    Tomei a liberdade de publicar em meu Blog, com as devidas indicações de autoria o texto do pesquisador Alysson Muotri, nome que considero como excelente referência em vários aspectos da pesquisa em neurociência.

    Um grande abraço!
    Sabrina

    ResponderExcluir